E esse dia chegou!
Steve Jobs, na WWDC'2011 |
O comunicado de Steve Jobs (via Macworld):
"To the Apple Board of Directors and the Apple Community:
I have always said if there ever came a day when I could no longer meet my duties and expectations as Apple’s CEO, I would be the first to let you know. Unfortunately, that day has come.
I hereby resign as CEO of Apple. I would like to serve, if the Board sees fit, as Chairman of the Board, director and Apple employee.
As far as my successor goes, I strongly recommend that we execute our succession plan and name Tim Cook as CEO of Apple.
I believe Apple’s brightest and most innovative days are ahead of it. And I look forward to watching and contributing to its success in a new role.
I have made some of the best friends of my life at Apple, and I thank you all for the many years of being able to work alongside you.
Steve"
Tim Cook, o novo CEO da Apple |
Tradução (via G1):
"Ao Conselho de Administração a à comunidade da Apple Eu sempre afirmei que se chegasse o dia em que eu não fosse mais capaz de cumprir minhas obrigações e expectativas como CEO da Apple, eu seria o primeiro a informá-los disso. Infelizmente, este dia chegou. Neste momento eu abdico do cargo de CEO da Apple. Eu gostaria de servir, se o conselho assim achar compatível, como presidente do conselho, diretor e empregado da Apple. Em relação ao meu sucessor, eu recomendo fortemente que nós executemos nosso plano de sucessão e que Tim Cook seja nomeado CEO da Apple. Acredito que os dias mais inovadores e brilhantes da Apple estão adiante. E espero assistir e contribuir para este sucesso em uma nova função. Fiz alguns dos melhores amigos da minha vida na Apple, e agradeço a todos vocês pelos muitos anos conseguindo trabalhar ao seu lado. Steve"
Um dia teria de acontecer...
Steve Jobs, larga o cargo de controlo de todas as Operações da empresa (CEO) e fica apenas à frente do quadro de accionista, no fundo conseguindo ainda manter-se pela Apple mas de forma menos activa do que a função que tinha. Obviamente que esta decisão deixa-lhe mais condições para se dedicar ao seu estado de saúde que não estará nada positivo.
O sucessor é Tim Cook, que na verdade já desde há uns anos que tem ocupado o cargo temporariamente e tem estado ligado às grandes decisões da Apple, sendo a mais recente o planear de uma nova forma de distribuição mundial dos produtos Apple.
A verdade é que a Apple, tem Steve Jobs como o grande guru dos seus caminhos. Jobs foi desde sempre um visionário, e esteve no bom e no mau que a Apple já passou. Esta sua passagem de testemunho em nada irá abalar os caminhos que a Apple terá para o futuro.
É isso que espero...
4 comentários:
Escrever sobre Jobs e o seu legado não é tarefa para se abordar de ânimo leve. Mas mesmo assim, apresentemos aqui alguns pontos.
Recordo-me de ver, há muitos anos, um documentário sobre Ettore Bugatti. Um seu engenheiro contou que, certo dia, moía a cabeça com outros colegas por causa de uma peça que não estava a funcionar como pretendiam. Ao levar o problema a Bugatti, este começou por sugerir-lhe que pusessem um rebordo na peça porque "ficaria mais bonita". Eles estavam cépticos, mas a verdade é que refizeram a peça e ela passou a funcionar perfeitamente.
Bugatti, segundo parece, tinha a convicção de que a performance tende a estar associada à beleza. É uma generalização discutível, obviamente. Mas se observarmos a natureza, encontramos alguns exemplos interessantes: a gazela, a chita ou o falcão são elegantes; o elefante, o hipopótamo ou o abutre não o são.
Penso que, conscientemente ou não, Steve Jobs partilha esta ideia. Também acredita ser sempre possível encontrar uma solução simples e elegante para a interacção com um objecto:
“Look at the design of a lot of consumer products — they’re really complicated surfaces. We tried to make something much more holistic and simple. When you first start off trying to solve a problem, the first solutions you come up with are very complex, and most people stop there. But if you keep going, and live with the problem and peel more layers of the onion off, you can often times arrive at some very elegant and simple solutions. Most people just don’t put in the time or energy to get there. We believe that customers are smart, and want objects which are well thought through." - Fortune, 24/01/2000
Beleza associada à interacção. Por muito que alguns grupos o queiram renegar, é mais provável motivar alguém a interagir com um mecanismo que desconheça se este tiver um interface simples e atraente. É um comportamente inerente à nossa condição de animais, semelhante ao que nos leva a associar mais facilmente qualidades como "simpatia" e "bondade" a rostos que possuam beleza física.
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A minha referência a Bugatti não é inocente. Acredito que daqui a umas décadas, ao olhar-se para trás, Jobs não será apenas recordado como visionário da tecnologia. O seu nome será colocado ao nível de Ettore Bugatti ou Enzo Ferrari, criadores que pensavam os seus projectos não apenas como produtos de tecnologia eficazes na sua acção, mas também como objectos estéticos quando inactivos.
"When you’re a carpenter making a beautiful chest of drawers, you’re not going to use a piece of plywood on the back, even though it faces the wall and nobody will ever see it. You’ll know it’s there, so you’re going to use a beautiful piece of wood on the back. For you to sleep well at night, the aesthetic, the quality, has to be carried all the way through.” - Playboy, 01/02/1985
[Maldito limite de 4096 caracteres do blogger]
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É interessante que Jobs seja, tanto quanto consigo recordar, o único CEO fabricante de computadores que possui notoriedade enquanto tal - e por tal. Alguns dirão que Gates também é conhecido, mas a Microsoft é software. Outros nomes que também sejam reconhecidos - Page, Ellison, Schmidt - vêm do software.
Não penso que se deva (apenas) ao carisma. Tenho pensado no assunto e cada vez mais me parece que os fabricantes de computadores tendem a ser extremamente conservadores. Fazem todos a mesma coisa, sempre em tempo semelhante. Uma das excelentes características de Jobs é que nunca teve receio de arriscar ou tomar decisões.
Os produtos da Apple não são caixas incaracterísticas, destinadas a cobrir o maior espectro de utilizadores que for possível; são a sua visão do que aquele produto em particular deve ser, e quem concordar compra. Esta disponibilidade para criar rupturas não é própria de um engenheiro - mas é-o de um artista. E por isso a Apple é tão diferente de tudo o resto na indústria, criando, em determinados momentos, inflexões no seu percurso.
Eu estive a pensar em alguns dos produtos e conceitos que apresentou durante este seu segundo turno na Apple: o iMac original; o iBook original; o PowerMac G4 Cube; alguns dos iPod; o iPhone; o iPad; o iMac G4; as Apple Stores; o OS X. Qualquer outra empresa ficaria orgulhosa por poder apresentar apenas um par deles.
“The only problem with Microsoft is they just have no taste. They have absolutely no taste. And I don’t mean that in a small way, I mean that in a big way, in the sense that they don’t think of original ideas, and they don’t bring much culture into their products.” - Triumph of the Nerds, 1996.
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Outra razão para o fascínio sobre Jobs é que tem uma "história". Ao contrário de outros intervenientes, que se podem resumir, quais robots, a "estudaram, criaram a empresa, criaram um monopólio, casaram-se e reformaram-se", a vida de Jobs lê-se como um romance: ser filho adoptivo, criar uma empresa da qual é despedido e à qual retorna para a recuperar do estertor; as outras empresas que criou; os problemas de saúde; as entrevistas.
As suas entrevistas, em particular, mostram alguém que olha para o mundo como um todo e sem estar barricado no seu nicho. Um destes dias, alguém devia publicá-las em livro.
"I wish (Bill Gates) the best, I really do. I just think he and Microsoft are a bit narrow. He’d be a broader guy if he had dropped acid once or gone off to an ashram when he was younger.” - The New york Times, 12/01/1997
Jobs é um ecléctico, e trouxe esse eclectismo para a indústria e os seus produtos.
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E a Apple sem Steve Jobs ao leme, como vai ser? Ao contrário dos catastrofistas, que receiam - uns - ou desejam - outros - uma derrapagem da empresa semelhante à que sucedeu ao despedimento de Jobs em 85, não penso que isso aconteça.
Para começar, existe um plano de produtos para os próximos dois anos, pelo menos. Só quem não conhece a indústria de construção de equipamentos no geral, e a Apple em particular, é que acredita que não exista já uma versão de iPhone/iPad em testes e uma segunda em fase final de desenvolvimento.
Depois disso, será uma questão de continuar a evoluir os produtos. Os nerds gostam muito de encher a boca com a "inovação", como se qualquer mudança fosse inovar, uma contínua inovação. Usar as palavras sem cuidado tem este perigo, retira-lhes muito do seu significado. O iPhone foi uma inovação; o iPad também pode ser considerado inovação, pelo menos na interpretação do conceito de tablet. O iPhone 3GS, o iPhone4 e o iPad2 são evoluções das respectivas linhas de produtos.
[Três partes - hoje bati o meu recorde de exagero]
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Inovar é difícil. Inovar é complicado. Verdadeira inovação é criar algo que não existia antes; é apresentar algo que a maioria das pessoas nem tinha ideia de necessitar; é mostrar algo que altera sensivelmente o quotidiano dos utilizadores ou baralha os equilíbrios da altura. A verdadeira inovação confunde-se com a revolução. E esta não é um fenómeno que aconteça diariamente. Tivemos a revolução dos computadores pessoais na década de 80; a revolução da Internet na década de 90; e a revolução dos smartphones há pouco tempo. A próxima, não sabemos quando o será nem sequer o que será. Mas é provável que seja um sonhador como Jobs a imaginá-la. E a questão, neste ponto particular, não é que a Apple não o tenha - é que numa indústria dominada por engenheiros, também não estou a ver qual dos actuais CEO fora da Apple possa desempenhar esse papel.
Em segundo lugar, há uma diferença enorme entre esta saída de Jobs e a outra: agora, sai pelo seu pé, deixa uma equipa moldada à sua visão e uma empresa que, a todos os níveis, respira a mesma cultura.
Não foi, obviamente, o que sucedeu no hiato-sem-Jobs. A cultura de inovação continuava lá (Newton, por exemplo). Só que a empresa comportava-se como um conjunto de partes às vezes desconexas, não um corpo homogéneo. Principalmente, faltava nessa altura uma Direcção que percebesse o que era a Apple.
Em terceiro lugar, há uma excelente equipa. Como ouvi a alguém num podcast, teria sido mais grave agora a saída de Tim Cook do que a do próprio Jobs. Jobs é o visionário, o sonhador, o líder de talentos, o esteta. Mas parece-me que Jobs recrutou Schiller, Forstall, Ive e os outros por reconhecer em cada um deles alguns dos seus traços: são uma espécie de Jobs-por-comité.
Tim Cook, no entanto, desempenhou um papel único: traçou uma estratégia de stocks e negociações de contratos que permite à empresa aceder a componentes de qualidade, em antecipação e com custos que lhe proporcionam uma inusitada saúde financeira. Cook, no momento actual, não é menos necessário à Apple do que Jobs. E daí a ênfase deste último, na sua carta de demissão, ao "plano de sucessão" - para mostrar que isto estava planeado há muito.
E a Bolsa, por muito relativa que seja, parece estar a reagir em consonância. Depois de uma queda imediata ao anúncio, que nem foi particularmente acentuada, as acções começaram a recuperar no próprio dia. Na Sexta-Feira subiram para níveis superiores aos de Quarta-Feira - e perto do dobro do que subiram as da Google. Observar os próximos dias será interessante, mas por enquanto não me parece existirem sinais de pânico.
[Há quem diga que esta recuperação se deve aos fãs da marca que retiveram a queda com uma procura "sentimental". Quem o pensa é um rematado idiota! A quase 400 dólares cada uma, as acções da Apple estão muito longe de poder ser uma compra de impulso ou "sentimental".]
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Um pouco na linha de John Gruber, esta saída era algo que eu esperava, mais ou menos dia, mais ou menos ano - mas não deixa de causar choque pensar numa Apple sem Jobs. Contudo, passada esta fase mais emotiva, acredito que se aproximam tempos excitantes. Como um bom pai, Steve Jobs cuidou da Apple, educou-a, mimou-a e preparou-a. Agora, ela parece pronta para seguir o seu caminho.
Excelente, João! Verdadeiramente excelente toda a contextualizacao e reflexão aprofundada sobre esta saída de Steve Jobs. Acredita que não teria feito melhor e é um daqueles comentários que mereceria ser um post até. Subscrevo tudo o que dizes, a fase de Jobs a recuperar a Apple, os tempos conturbados antes do regresso dele, a visão inovadora carismática e a equipa que deixou pronta (que me parece estar dotada de partes de Jobs pelos vários membros: Ive, Schiller, Cook, etc). A Apple tem futuro e vai continuar forte. Assim seja!
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