"Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura."
Primeiro de tudo é o nome do projeto que se chama simplesmente Hoje. Pensando bem até acho que foi escolhido o nome, pois dá até para imaginar a possibilidade de um dia, este colectivo ou uma nova composição do colectivo, a dedicar-se por exemplo a outro artista nacional...
Seria interessante um album assim dedicado a Carlos do Carmo, também ele um artista fadista com um reportório cheio de potencial e com belíssimas letras/poesias.
Ao longo destes meses a canção "Gaivota" viu-se resgatada da quase ignorância mainstream (por ventura, grande muita malta voltou a descobri-la) para passar a ser quase um hino nacional. Ela toca em todo o lado e atingiu mesmo longas semanas no 1º lugar do top nacional de vendas.
Recentemente foi adoptada como a canção do genérico da novela da SIC dos fins-de-semana com o nome a ser retirado a própria canção: "Perfeito Coração". Há ainda mais uma curiosidade nesta novela que é o facto de a actriz principal ter sido ela a mesma que deu vida a Amália Rodrigues no filme "Amália".
O álbum "Amália Hoje" não é muito grande em duração, mas foi pretensamente criado como algo épico e cheio de pompa. Afinal, a diva Amália Rodrigues não merece tratamento menor que o que deram, não é?
O álbum é constituido por apenas 9 canções e das muitas vezes que o ouvi, a sensação que me deixa sempre é que o alinhamento sequencial do disco não é nada perfeito. A primeira faixa, que para mim é a melhor de todas, a "Fado Português", tem estaleca de canção para terminar o disco e não para o abrir.
Junto a esta as "Grito", "Gaivota", "Formiga Bossa Nova" e "Foi Deus" e temos o que de melhor encontro no disco.
Mas como dizia... se afinal, durante a canção "Fado Português" é dito várias vezes "Adeus!", ficaria bem a canção a terminar o álbum em jeito de despedida. Contudo, já tentei reorganizá-lo no iTunes á minha maneira e não consegui um alinhamento mais interessante também. Na realidade o melhor que arranjei é começar a escuta do álbum apartir da segunda faixa "Grito", que até surpreende quando no inicio nos é pedido "silêncio!" e relegar para o final do álbum a épica "Fado Português". E curiosamente desta maneira dá até para o escutar em loop pois deixa uma sensação de querer ouvir mais...
Isto não são remixes!
Mas o ponto que pretendo atingir é o tipo de sonoridade electrónica adoptada para estes fados da Amália. Sonoramente é bem diferente de outras "homenagens" semelhantes (por exemplo os "Humanos" que é mais pop/rock).
Que género é que surgiu na década de 90 e consegue recuperar com pompa e circunstância para os nossos tempos, mantendo um ar de classe e de estilo, que já não se vislumbra muito actualmente?
O trip-hop, é claro.
Ou melhor o pós-trip-hop...
É um género musical moribundo, que já nem sequer os seus criadores o aceitam (Massive Attack, Tricky, Portishead, etc...) mas que tem sido desde sempre um dos géneros sonoros do mentor deste projecto, o Nuno Gonçalves. Está bem espelhado o género nos The Gift, onde ele lhe dá uma orientação mais pop, exactamente da mesma forma como o aplicou no Amália Hoje.
Assim, o que temos são belas canções que oscilam mais para o calmo e o downtempo, ricamente acompanhadas por arranjos orquestrais e onde os vocalistas (principalmente a vocalista) cantam á moda antiga estas belas palavras e versos de outrora, que no combinam bem com o que permite a sonoridade electrónica do pós-trip-hop. Resulta muito bem e provocam um efeito de diferença absoluta naquilo que é a nossa pop actual.
E depois, é também de saudar a descolagem da estrutura do fado, até mesmo na vocalização fadista que aqui foi totalmente erradicada. Isto poderia ter seguido o rumo das remixes, conter samples da própria Amália ou até mesmo a alusão ao fado pelo recurso da sonoridade peculiar da guitarra portuguesa... mas nada disso está lá mas no fim estas canções continuam a aroma de Amália Rodrigues. Impressionante!
A destacar que ainda há aquelas incursões interessantíssimas pela bossa-nova em "Formiga Bossa Nova" (faz lembrar os De-Phazz na fase pop), onde o vocalista dos Moonspell é bem aproveitado e depois temos também o estilo pop mais puro (o possível) em "Nome de Rua" e em "Abandono" mas sempre polvilhadas de imensos artifícios sonoros algo barrocos.
Eu gosto muito do disco e acho-o saudável a sua existência, pois afinal a herança que Amália Rodrigues pode muito bem ser celebrada de outras formas e sonoridades. Tudo porque na realidade nunca irão afectar os originais que a diva deixou, que são inabaláveis.
Amália Hoje é o disco de eleição de 2009 e mais nada!
Para terminar aquele que é o último video da banda (acho que podiam ter feito melhor).
"Foi Deus"
"Foi Deus"
Há um certo déjá vu neste video... assim tipo á lá Joy Division... (saber mais neste post do "Homem que sabia demasiado").
Foi deus
Que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul às ondas do mar foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera
Ai!, e deu-me esta voz a mim.
2 comentários:
Boas Festas e um ano de 2010 próspero. E vivam também os Sony Vaio, não só os Mac:)
Abraço
Obrigado.
É mesmo!
(anda aí material novo...)
Enviar um comentário