quinta-feira, 2 de junho de 2011

Cine-critica: Last Night (2010)

Uma review massiva e longa... fujam!

(A sério, contém imensos spoilers e é extremamente descritiva.
Quem viu... força! Pois é a esses que esta cine-critica se dedica afinal.
Quem não viu ainda... é evitar a parte central da review, apartir das quotes e fotos.)



Last Night
A última noite
2010

Realização e argumento: Massy Tadjedin
Com: Keira Knightley, Sam Worthington, Eva Mendes, Guillaume Canet...


Sinopse (à minha maneira): Um feliz casal, os Reed, vão a uma festa e com o decorrer do convívio social, Joanna (Keira Knightley) procura o seu marido, Michael (Sam Worthington), deparando-se com um momento suspeito e planta-se-lhe a dúvida ao o ver conversar com Laura (Eva Mendes), uma colega de trabalho por quem exibe uma suspeita cumplicidade. A desconfiança paira e Joanna fica furiosa. A fúria da descoberta desta possibilidade de interesse do marido pela bela colega, conduz a acesa discussão em casa, que culmina na insegurança da esposa, já que ele no dia seguinte partirá em viagem de negócios de dois dias e a colega também vai.
Contudo, sozinha, ela durante o dia, por casualidade na rua, vê Alex (Guillaume Canet), uma sua antiga paixão e este lhe confessa querer estar um pouco com ela para falarem.
Ela aceita...




"Last Night" é um drama sobre o amor. Aborda terrenos movediços e delicados em torno da traição por amor: a paixão e o desejo... a infidelidade e a desconfiança... e o casamento perante as relações extra-conjugais. As dificuldades do amor e onde ele verdadeiramente está. É uma história de adultos para adultos nas mesmas condições de estatuto relacional.


Observações...

Tudo se passa num espaço muito curto de tempo (entre duas noites), onde suceder-se-á um turbilhão de acontecimentos que deixarão marcas abafadas de fortes sentimentos restringidos... que por via das acontecimentos e oportunidades, se passará do pensamento para os actos.
Desfile de dúvidas, desfile de charme, desfile de sedução.
Situações que conduzem a outras e por arrasto os levam a alinhar com o momento.

É claramente um filme com sensibilidade feminina, sem com isso abstrair da equação o público masculino, que é aqui representado até com uma benevolência maior do que é habitual. Diria mesmo que eles surgem aqui como os "protótipos" da perdição feminina. Ora um é o homem de negócios bem sucedido, com elevado status, carinhoso e de bom aspecto físico. Ora o outro um bon vivant, vindo de França, escritor de sucesso, o "Sr. Sonho" feminino.

Ser casado aqui pode parecer um mero detalhe mas a verdade é que, na minha visão, todo o filme gravita em torno desta detalhe fundamental. É o factor casamento que impede, agrava e fabrica as tentações.
E é a partir do casamento que se faz a exortação dos sentimentos do coração, adultos que deixaram para trás ora casos mal resolvidos ora o desejo premente do momento.

"Last Night" é um drama que recomendo fortemente a descoberta.

E como tenho muito mais a dizer sobre o filme, continuemos...
(Aviso: Spoilers...)

"A Última Noite" não só é visualmente belo, em contínuo estado de candura, que igualmente nos seduz e embala ao longo do visionamento. O que mais sobressai neste "Last Night" são os diálogos brilhantes, que são proferidos com elevada importância, por vezes contundentes, exímios no peso de cada palavra e que encerram nelas todo um universo de sentimentos diversos sem grandes subterfúgios.

Apresento aqui alguns curtos exemplos (e algumas cenas capturadas):

- Nós casamo-nos cedo demais?



- Achas que continua tudo igual entre nós?



- Eu pareço diferente?
- Não.
- Eu sinto-me velha.
- Tu pareces na mesma.
- Tens o mesmo cheiro.
- Tu também.


- Tens um timing incrível...
- Porquê? Estás a divorciar-te?
- Não. Acho que é possível que queira que faças parte da minha vida. Penso sempre em ti quando as coisas não vão bem.


- A tua mão estava quase apoiada na minha perna. Fizeste aquilo de propósito?
- Estava atento para a tirar imediatamente... se tu te movesses.
- Não me movi.


- Eu sou casado.
- Eu sei. Hipóteses não me importam muito, mas... Estás feliz com o teu casamento?
- Sim. Muito. Podes estar feliz e ainda assim sentir-se tentado.


Observações técnicas...

Massy Tadjedin, é a autora deste magnifica obra. Escreveu e realizou com abundante mestria, dominando o filme habilmente, inserindo detalhes visuais fundamentais ao longo de toda esta mise-en-scéne riquíssima de pequenos pormenores. Servindo-se de uma fotografia charmosa nos seus tons e de enquadramentos que fazem sobressair o romantismo.
Esta realizadora recorre ainda á técnica dos espelhos, deixando-nos como que a observar hipotéticos alter-egos que se questionam do que fazem. Brilhante.


Em termos de argumento, apresenta uma construção inteligente, onde pontuam com brilho diálogos admiráveis. Toda a encenação dos eventos estão assentes numa mesma linha temporal, em que nos vai servindo a alternância espacial entre cada casal, onde com engenho técnico se podem assistir a cenas de um dos casais com a justaposição dos diálogos do outro casal, criando um novo nível de relação entre a imagem e o argumento, conseguindo evidenciar uma deliciosa ironia e catapultando ambas as situações a novas interpretações motivacionais da infidelidade.



Actores...

As interpretações dos quatro actores são magnéticas, constroem verdadeiras performances dignas de registo, percorrendo uma vasta exposição de sentimentos, num transe hipnótico de sedução constante.

- Muitas das vezes se classifica a Eva Mendes como sendo uma actriz limitada e/ou apenas decorativa. Desta vez, ela mostra uma faceta mais delicada, contida mas ao mesmo tempo confiante, qual auge de maturidade, que plena de consciência de si própria serve-se do seu imenso sex-appeal para construir Laura, uma personagem com mais profundidade do que aparenta, sentimentalmente carente pelos seus dilemas e deixando nas suas esperanças uma certa ambiguidade de intenções;
- Sam Wortington, faz o papel de marido acossado pela sedução e desejo, que tudo faz para evitar cair na tentação, reprimindo-se e lutando contra ele mesmo. Achei esta abordagem a mais importante e curiosa do filme, pois aqui não se caiu no habitual cliché do marido engatatão ou de impetos traidores. Os homens não são todos iguais e com ele vemos isso, o oposto do cliché, que da elevação da sua moralidade vê-se como que encurralado pelo momento. Ele é seduzido não só pela colega mas também pelas circunstâncias propicias a cair na tentação.;


- O mesmo não se passa com Joanna, a esposa interpretada por Keira Knightly, que tem o mais complexo papel de todo o filme. Ela começa por ser aquela que sente a mágoa da possibilidade imaginada de uma traição. Fica num estado de fragilidade emocional e sucumbe rendida a reviver o seu amor do passado (que esteve sempre presente na mente dela com saudosismo). Joanna revela-se mais incompleta do que parecia e no fundo, Encontrar Alex no estado em que se encontrava conduz ao inevitável. E isto conduz-nos ao Alex...
- Alex é a personagem do actor Guillaume Canet, o mais virtuoso do filme. Pleno de charme, repleto de sedução, muito incisivo perante ela, totalmente decisivo no libertar das amarras de Joanna. Um perfeito romântico muito confiante e a esbanjar classe por todo o lado (até na caracterização e roupa, este Alex é admirável). Alex é no entanto o oposto do marido de Joanna, pois persegue e luta pelo que deseja... no entanto, achei que é moralmente o mais questionável do filme.

- Esta noite... Eu não pensei que isto pudesse acontecer...
- Nem mesmo... a da segunda vez?



Para terminar uma curta reflexão...

A entrega culpada dos corpos, imiscuídos na ardência da oportunidade irrecusável, será o que resta de instantes sofridos nos corações de cada um. Momentos de baixar a guarda, onde antes foi uma ilusão depois é a exigida recompensa da fantasia. O facto é que os passos foram dados sem recusa, e tudo se conduzem-se ao ponto chave dos actos: a culpa irreparável.
E porquê a culpa? Porque ela esteve sempre presente por pensamentos, palavras, actos e omissões.

"O que eu não dava para estar cansada de ti."

Contudo, na culpa da traição também se verificam dilemas secundários:
a satisfação ardente não sobrepõe o status presente porque esse divide;
o factor casamento também vence, gera resignação, capitalizando o sofrido regresso ao estatuto inicial... e o segredo é o tormento da culpa.

É o tormento na alma que a passa a habitar e aí se reprimem os acasos de uma noite... um momento.
Tudo parece que continuará igual... excepto nas profundezas da memória dos visados.

A noite avança...
A noite acaba...
Um novo dia chega e tudo voltará ao mesmo.
Mas... será mesmo assim?


Classificação:
8/10
Muito Bom


4 comentários:

Sofia disse...

tentei... mas adormeci na terceira linha

ArmPauloFerreira disse...

Paciência, então.
É massivo sim... but i don´t care.

Anónimo disse...

Para quem gosta d cinema a critica não é massiva, está muito boa!

ArmPauloFerreira disse...

Muito obrigado pela compreensão. Senti que tinha imenso para dizer nesta critica mas entendo que criticas excessivamente longas tiram o apetite de ler tudo. Acaba por ser esta critica somente destinada a quem adorou o filme e deseja reflectir/discutir/ler sobre o filme.
Fico também bastante agradecido pelo comentário de apoio. Thanks!